*Lançada no abismo, este foi fechado e selado, proibindo-a de enganar as nações até o cumprimento de mil anos.
Antes de se tornar um mendigo que vivia sob a ponte, em um barraco improvisado de papelão, considerado louco por toda a cidade, aquele homem, agora encontrado morto por pescadores, escondia um passado misterioso. Seu nome verdadeiro era Raimundo, mas seu sobrenome permanecia desconhecido. Após passar um período na capital do Estado vizinho, Teresina, ele chegou à cidade de Pedreiras, um lugar com ar seco que chegava a arder as narinas. A cidade, ainda em expansão, situa-se em um vale cercado por montanhas e era dividida em duas partes por um largo rio de águas lamacentas. O local era caracterizado por um barro vermelho, a mesma cor dos habitantes originários da região, os índios Timbira. Apesar da resistência oferecida por esse povo indígena no início da conquista do território, hoje quase não se avista mais nenhum deles, apenas alguns de maior idade. Raimundo, um ex-combatente da Segunda Guerra, conhecia bem as atrocidades que o ser humano é capaz de infligir ao outro.
Raimundo decidiu deixar tudo para trás e se estabelecer definitivamente ali. Sem uma profissão definida, ele trabalhou em diversas atividades, desde ajudante de obras até quebrador de pedras. Encontrou um lugar para dormir em um galpão utilizado como depósito de leite. Aqueles com menor poder aquisitivo, ou que tinham alguma ligação com povos originários, construíam suas casas às margens do rio, enquanto os mais abastados viviam bem distantes dele.
As frequentes chuvas e as tempestades quase sempre faziam o rio transbordar. Diariamente, alguém relatava desaparecimentos no rio: objetos de valor, animais que, ao tentar atravessar de uma margem a outra, desapareciam, ou pessoas que se afogavam, deixando seus parentes sem notícias.
Os descendentes dos últimos Timbiras, ou seus filhos que herdaram os costumes dos pais, ainda preservavam o hábito de evitar o rio após uma tempestade. Quando questionados sobre a recusa, respondiam sempre com uma palavra do idioma nativo que havia sido transmitida de seus avós para seus pais e, posteriormente, para eles.
Após o desaparecimento de algo ou alguém, eram chamados para procurar, mas apenas alguns se arriscavam por dinheiro; a maioria se recusava a entrar no rio por semanas, chegando até mesmo a um mês após a última tempestade. Permaneciam nos bares, consumindo cachaça, aguardando serem convocados para algum serviço. Raimundo era encontrado lá quase todos os dias ou noites; a cachaça do interior do nordeste era forte o suficiente para fazê-lo esquecer os gritos das pessoas que viu morrer na guerra. Ele havia feito amizade com Adriano, um indivíduo meio índio e meio cearense. Sua pele vermelha denunciava a descendência, mas os traços eram uma mistura de duas origens distintas.
Ao visitar a casa de Adriano para pegar redes de pesca e ferramentas, observou alguém sentado olhando para o rio no quintal da casa; era a avó, uma das poucas filhas de um povo originário daquela terra. Ele se aproximou da porta do quintal onde a velha indígena estava sentada em um tamborete com encosto. Ao perguntar o que ela estava olhando, murmurou algo em seu idioma nativo, que Raimundo não entendeu; não se sabia se foi pela idade ou se ela não queria falar aquela palavra estranha, mas a segunda opção parecia mais plausível para ele. Ele fez um esforço para entender o som que ela repetiu três vezes; não tinha certeza, mas a palavra que ouviu era o mais próximo de "Pécoapá".
Ao chegarem no bar em busca de um trabalho, um garoto surgiu dizendo que a filha do Capitão Teixeira, de uma das famílias fundadoras daquela cidade, havia desaparecido e que a última vez que a viram foi às margens do rio. As tempestades naquela região sempre surgiam de forma repentina, tomando o clima de assalto, assim como um predador arrebata sua presa. Foi nessa atmosfera surpreendente que a menina, provavelmente, foi arrastada para as profundezas daquele rio escuro.
Contra a vontade deles, todos que trabalhavam para o Capitão Teixeira vasculharam as margens do rio em busca da garota, mas sem sucesso. Passados três dias, ele ofereceu uma recompensa generosa para quem ao menos trouxesse o corpo de sua filha de volta à superfície. Alguns recusaram, acreditando em uma crença transmitida por antigas gerações que conheciam bem as águas. Outros, por medo de que alguma das histórias contadas fossem verdadeiras.
Mas, para um homem que viveu as tragédias da guerra, aquelas histórias não passavam de mitos. Raimundo prontamente aceitou mergulhar nas águas que cortavam o barro vermelho. Ele recebera treinamento de mergulho no exército e se destacou por ter uma aptidão natural para permanecer mais tempo debaixo d'água do que a maioria das pessoas. Sua habilidade em ficar submerso era semelhante à dos Bajaus. Essa destreza foi de extrema importância para sua sobrevivência durante o tempo que esteve na guerra.
Foi conduzido ao local onde o corpo da menina poderia estar. Raimundo adentrou lentamente o rio para sentir sua correnteza, aquele misto de turbulência e magnetismo que o puxava pelos calcanhares e afundava seus pés na areia. Sentiu o frio da água percorrer seu sistema nervoso. Caminhou lentamente até onde conseguiu; ao se voltar para olhar aqueles que estavam à margem do rio, observando-o, percebeu que já estava longe e, em seguida, mergulhou.
Um minuto se passou, e quase toda a cidade estava lá para testemunhar o acontecimento. Após seis minutos, emergiu das águas, pedindo uma corda para amarrar ao corpo da garota que já se encontrava em decomposição. A notícia logo se espalhou pela cidade, e para tudo o que era importante para aqueles que podiam pagar por esse talento de Raimundo, ele não hesitava em entrar no rio para procurar.
Após alguns anos, tornou-se uma figura renomada na cidade de Pedreiras; a glória finalmente chegara para aquele sobrevivente. No entanto, sob as águas escondiam-se coisas tão antigas quanto o próprio rio.
Depois de uma bebedeira no bar por sua conta, Raimundo decidiu que queria banhar-se no rio, que agora julgava dominar. Sentia-se como dono daquelas águas, acreditando que poderia entrar e sair a qualquer momento do rio. Encorajado pelo álcool, mergulhou e tentou ir o mais fundo que conseguisse. Lembrou-se de ter batido o recorde de mais tempo embaixo d'água quando era jovem e estava em treinamento no exército, chegando a ficar dez minutos submerso.
De repente, viu-se envolto pela escuridão do rio; sentia que a correnteza o estava levando. Decidiu que era hora de voltar à superfície, mas, por mais que nadasse para cima, não conseguia chegar lá. Passaram-se apenas dois minutos desde o seu mergulho, e ainda tinha bastante fôlego. Achava que conhecia bem as águas, sabia que não demoraria menos de um minuto para atingir a superfície, mas não foi isso que aconteceu.
Havia muito tempo que Raimundo não sentia aquela sensação de ansiedade misturada com medo. Viu-se perdido nas trevas que o cercavam. Foi quando uma luz, que ele julgou ser de um roxo brilhante, parecia mover-se em sua direção. Não tinha certeza; tragado por toda aquela escuridão, perdeu a noção de espaço. Não sendo um grande entendido de vidas aquáticas, sabia que não existia nenhum peixe em água doce que emitisse aquela luz. A única resposta possível era que algum canoeiro o estava procurando da superfície, mas o roxo era uma cor muito escura para iluminar o rio.
Para um homem que testemunhou a força esmagadora de um blindado, nada mais poderia impressioná-lo, era o que ele pensava. Agora, ele tinha certeza: a luz estava cada vez mais forte em sua direção. Tentou recuar, mas a correnteza o levava na direção da luz, daquela coisa. Não podia gritar, pois isso o faria perder sua reserva de oxigênio retido nos pulmões. Quando aquilo estava perto o suficiente, pela primeira vez, a água clareou no raio em que ele se encontrava.
Agora cheio de pavor, Raimundo não conseguia diferenciar o real do fantasioso. Era algo grotesco que ultrapassava sua imaginação. As desgraças da guerra vieram à tona em sua visão; sentia-se perdido no tempo. Em seguida, as imagens foram substituídas por este ser desagradável de mirar, estranho e disforme. Lembrou-se da velha Timbira, que morrera algum tempo atrás e que ficava sentada olhando o rio por horas; lembrou da palavra que ela sussurrou ou não quis dizer: Pecuapá.
Tudo se apagou na mente do mergulhador, e quando recobrou a consciência, estava às margens do rio, deitado. Foi encontrado por Adriano e seu primo, que ficaram preocupados, pois ele deixou o bar logo depois que o sol se pôs, e já era meia-noite naquele momento. Levantou-se como uma besta que acabara de ser solta de uma jaula, raspando as unhas na cabeça como se quisesse tirar a imagem horrenda daquilo que ainda parecia persegui-lo. Saiu correndo, dando gritos de desespero. Pecuapá! Pecuapá! Pecuapá!
Desde esse dia, Raimundo nunca mais mergulhou no rio e também nunca ousou tentar descrever o que viu embaixo do rio. Os anos se passaram, e seu prestígio também. Agora não passava de um homem considerado louco que perambulava pelas ruas da cidade em busca de alguns trocados ou alguém que pagasse uma dose de cachaça. Era à noite, especialmente quando a lua brilhava no céu, que ele conseguia ver aquilo que o fazia andar durante toda a noite pelas ruas da cidade, como se estivesse fugindo.
Duas gerações se passaram, e o nome Raimundo também foi esquecido. Agora, o velho louco era conhecido apenas como Pecuapá, sendo a única palavra que pronunciava. Foi encontrado sem vida no lugar que ninguém ousava chamar de casa. Perto do corpo, escrito no barro vermelho lamacento do chão, estava um nome que ninguém conseguiu decifrar, mas que logo foi apagado pelas águas.
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*Apocalipse 20:1-3.